Repare que há um perfil por baixo do pistonete que aumenta a velocidade do ar sob ele e assim dirige o vácuo pelo canal que é parcial e progressivamente preenchido pela agulha. De tal forma que ao subir o pistonete deixa passar mais ar e a agulha deixa passar mais combustível para o venturi devido ao próprio formato do cone da agulha associado ao corte do pistonete.
O terceiro estágio entra em funcionamento quando a agulha e do pistonete deixam de actuar para restrição do ar e combustível, passando a actuar o formato do ducto interno do carburador, combinado com o volume de combustível que passa pelo gigler principal.
Depois de entendermos o funcionamento básico, vamos ver como se regula um carburador básico, sem grandes acessórios.
2- Afinação
Começamos por um motor mono-cilíndrico e veremos depois a aplicação aos multi-cilíndros.
Sabemos então que existem três sistemas de mistura num carburador de moto, sem falar no choque para o arranque a frio - primeiro que actua de zero a 1/8 do curso do acelerador é composto pelo circuito de lenta, com o gigler de lenta e o parafuso de afinação do ar. O segundo actua de 1/8 a 3/4 do curso do acelerador e é composto pelo pistonete e pela agulha acoplada e pelo tubo difusor, por onde passa a agulha e o terceiro é o circuito de alta onde está o gigler principal e o tubo do corpo do carburador.
A primeira coisa a fazer para se aferir o funcionamento de um carburador é a sua limpeza - todos os orifícios devem estar limpos e sem resíduos no reservatório da cuba de combustível. Em segundo lugar devemos verificar o nível da bóia conforme o manual específico da moto - qualquer desgaste na agulha ou infiltração de combustível na bóia pode alterar o seu peso e o nível - qualquer alteração provocará alterações e problemas no funcionamento do motor, pois o nível da bóia tem influência em todos os subsistemas de alimentação.
Entendendo o curso do acelerador
A explosão perfeita da gasolina dá-se em numa proporção de 14 partes de ar por uma de gasolina, mas a verificação dessa proporção para a afinação do carburador é bastante complicada - a melhor maneira de saber como está a mistura é pela cor da vela de ignição, que deve ser uma avermelhada (telha ou tijolo) e quanto mais clara for menor será o volume de gasolina na mistura, portanto uma mistura mais pobre e, naturalmente, quanto mais mais escura , chegando mesmo ao negro, mais rica será a mistura.
Mas como temos três sistemas sobrepostos no processo de alimentação, a afinação tem que ser feita em cada um deles, a começar pelo da lenta, passando pelo curso de 1/8 a 3/4 da aceleração e por fim com toda aceleração aberta. Acontece que numa moto com utilização regular a vela indica-nos a média da actuação dos três sistemas - assim temos de utilizar uma técnica para identificar qual a mistura em cada posição do acelerador.
Para começar vamos ajustar a marcha lenta, que é o que normalmente mais desafina, porque é fácil de mexer ou porque porque alguns mecânicos deixam mesmo desafinado para facilitar o arranque a frio. Não compensa porque aumenta excessivamente consumo e quando o motor aquece pode falhar ou não aguentar o ralenti.
É preciso chave especial para regulagem do parafuso de ar
Nessa afinação será necessária uma ferramenta especial, uma chave de fenda com o bico em 90º de forma que o acesso ao parafuso de ar se torne possível. Encontram-se facilmente em lojas de ferramentas para motocicletas. Antes de ligar o motor ajuste o parafuso de ar para duas voltas, partindo da posição fechado. Depois, ligue o motor e deixe-o aquecer bem. Se o ralenti não estabilizar, vire para mais ou para menos o parafuso de ajuste de marcha lenta até que consiga uma rotação perto da especificada no manual da moto, em geral por volta das 1200 RPM. Agora com a chave para ajustar o parafuso de ar vire para esquerda (abrindo) ou para direita (fechando) de forma que se note um aumento da rotação do motor.
Deixe o parafuso do ar na posição mais acelerada possível e depois volte para o parafuso de ajuste da marcha lenta para regular na rotação especificada. Se o parafuso de ar ficar acima de 3 voltas ou menos de 1/4 de volta verifique o circuito de lenta para entupimentos e/ou o nível da bóia. Suba o nível da bóia para aumentar as voltas do parafuso e abaixe para diminuir, aumente um ponto no gigler de lenta se o nível já estiver no limite máximo e diminua um ponto se o nível estiver no limite mínimo. Se o ajuste estiver normal encontre a posição de maior RPM novamente e volte ao parafuso de ajuste de lenta, até que não seja possível acelerar mais o motor com o parafuso do ar. Assim seja que moto for a lenta estará afinada. Note que as motos mais modernas têm um cabo de retorno do acelerador e o ajuste de lenta num parafuso perto da roldana, acima do corpo principal do carburador.
Para o segundo sistema, composto pelo pistonete e agulha do acelerador, temos que verificar a cor da vela e para isso necessitamos de uma lanterna com uma lupa para ampliar a imagem para a observação. Instale uma vela nova com as especificações do fabricante e experimente a moto, mantendo o acelerador num máximo de 3/4 do total. Ande durante 15 minutos e pare a moto mantendo o acelerador nos 3/4 durante alguns minutos antes de o desligar.
Sempre que for fazer a observação da vela, pare o motor sem desacelerar e retire a vela para ver a cor.
A Figura 1 indica uma mistura muito rica - a figura 2 mostra uma mistura equilibrada e a figura 3 indica um super aquecimento causado por mistura extremamente pobre, que pode causar sérios problemas no motor, nomeadamente nas válvulas e cabeça do pistão.
Da mais rica para a mais pobre de combustível, a do meio mostra a mistura correta
Como a maioria das motos vem com a afinação de fábrica (muito próxima do ideal) é pouco provável que seja necessária a troca do pistonete ou do conjunto agulha/tubo difusor de mistura. Alterando a posição da agulha em relação ao pistonete podemos alterar a proporção de combustível - subindo o clip que fixa a agulha no fundo do pistonete faz a curva da mistura iniciar a aceleração com a mistura mais pobre e descendo o clip nas canaletas enriquece a curva da mistura em relação à posição do acelerador fazendo com que a leitura da vela passe para o lado escuro, mais frio. O contrário faz com que a vela fique mais clara indicando um aumento da temperatura e queima mais completa do combustível. Nunca passe para o lado do super-aquecimento.
A afinação do segundo sistema de alimentação em geral só é possível se a capacidade do gigler principal não se encontrar muito fora do ideal - qualquer melhoria conseguida no curso intermediário do acelerador é positiva - se, ao contrário, parecer impossível acertar a mistura na posição da agulha e corte do pistonete, deverá tentar com um gigler de alta um ponto a mais ou a menos, conforme a necessidade*, retomando a indexação central da agulha para que se manifeste o efeito da mudança do gigler. Exemplo: se o ajuste da agulha se mostra incessantemente pobre, mesmo com a trava no sulco mais baixo da agulha (posição mais rica), aumente um ponto no gigler de alta e volte a agulha ao centro das canaletas para reiniciar as medições, sempre com a vela nova.
A afinação de um carburador pode tornar-se um serviço extenuante, porque é praticamente impossível não ser na base da tentativa e erro. A experiência e o conhecimento da forma de funcionamento do carburador ajudam muito para se saber onde agir para corrigir algum problema.
3- Sincronização do funcionamento
Carburador tipo CV ou de velocidade constante no venturi, pois o acionamento do pistonete é pelo vácuo do motor
Este é um dos grandes problemas - num motor mono-cilíndrico conseguem verificar-se nas reacções do motor os resultados das alteração, mas nos multi-cilíndricos, as acções têm de ser coordenadas entre eles. Assim, conforme vimos anteriormente: Baixa, que consideramos de zero a 1/8 do curso do acelerador. Média, saindo dali até 3/4 do total da aceleração e alta de 3/4 até o máximo. De cada divisão dessa participam um ou mais sistemas de alimentação e pode dizer-se que a segunda fase, de 1/8 até 3/4 se torna a mais complicada num motor a quatro tempos, pois no momento em que o acelerador abre, saindo da marcha lenta, a velocidade do ar pelo venturi cai imediatamente entre essa abertura e o aumento da rotação. A falta de vácuo nesse instante causa uma falha da atomização do combustível que se não for bem resolvida pode fazer com que o motor não funcione- neste caso as duas principais formas de resolução são: injectar combustível no momento em que o pistonete abre com velocidade ou impedir que ele suba muito rápido, e assim não permitir que o vácuo caia bem como a velocidade do ar.
A primeira solução era a mais utilizada nas motos antigas, (exemplo: Honda XL e XR) antes do promot 2, pois essa injecção do combustível directamente no ducto do colector causa uma emissão grande de hidrocarbonetos, mas a resposta é imediata e com mais força. Na segunda utiliza-se um diafragma sobre o pistonete e uma borboleta que está ligada ao cabo do acelerador - quando esta abre o vácuo passa para o lado de cima do diafragma e o pistonete sobe permitindo a aceleração - uma mola regula a força do vácuo necessário para o levantar, conforme a posição da borboleta.
Grupo de quatro carburadores com sistema de acionamento do acelerador combinado, permite ajuste individual de cada borboleta
Esse tipo de carburador, de velocidade constante “Constant Velocity” ou CV permite emissões mais controladas pois a mistura é feita pelo sistema normal do carburador e apenas a abertura do ducto principal é feita pela borboleta que permite o acesso ao vácuo para que o pistonete levante. A aceleração dá-se mantendo uma velocidade constante do ar no venturi e o motor nunca morre ao acelerar.
Para colocar em sincronismo um sistema múltiplo de carburação, para além da ferramenta de ajuste do parafuso de ar (a que vira a 90º) vamos precisar de medidores de vácuo para equilibrar os cilindros de forma que eles todos acelerem equilibrados, ou seja nenhum pode sair antes de outro ou fazer a mistura mais rica ou pobre, sob pena de haver excesso de consumo e irregularidade no funcionamento do motor.
Raio x de um carburador tipo CV
É preciso fazerem-se todas as reparações necessárias antes desse ajuste, pois todo desgaste ou sujo que cause desequilíbrio no sistema deve ser eliminado. Antes de montar o conjunto de carburadores na moto deve soltar-se totalmente o parafuso de lenta e ver-se contra a luz se há alguma borboleta aberta. Ajuste os parafusos que regulam as posições das borboletas de modo que todas elas fiquem igualmente fechadas. Depois de montado o conjunto na moto, deixe o tanque de fora pois vai ter que ligar uma alimentação alternativa para que possa ter acesso aos parafusos de ajuste do equilíbrio entre as borboletas.
O ajuste da marcha lenta deve ser feito com o motor aquecido e estabilizado em 500 a 1000 rpm a mais que a lenta especificada no manual da moto para que se possa fazer a equalização - cada parafuso de ar deve estar posicionado inicialmente em 1+1/4 de volta aberto.
Encontre o parafuso de regulagem dos pares (no meio dos 4) e de cada par individualmente. Um entre os corpos 1 e 2 e outro entre os corpos 3 e 4
Após a equalização deve voltar-se a lenta para a rpm especificada no manual do proprietário e em seguida procurar identificar o carburador que falha, se houver...e normalmente há ...tem que ser por tentativas, e, a não ser que sua moto tenha escapes isolados, um para cada cilindro, não vai ser possível identificar pelo barulho ou pressão do escape. Para fazer isso, comece pelo nº1 com a chave especial no parafuso do ar abrindo ou fechando aos poucos, sem perder a referência de 1+1/4 até que possa ouvir que a falha nesse cilindro está corrigida.
A percepção das falhas são subjectivas - há que se ouvir a “música do motor”, perceber o som do motor a falhar ou o som liso e uniforme do motor com as explosões equilibradas - devemos encontrar o erro no ronco do motor com falhas e corrigir a explosão para que fique alinhada com as outras duas ou três.
Há sempre duas ou três mais equilibradas e ao encontrar o carburador que produz a falha deve-se procurar a posição em que o som fica preenchendo o vazio provocado pela maior falha. Vá cumprindo essa rotina até o nº 4 e se o motor ficar acelerado demais, (é isso que você quer) volte a lenta para a rotação especificada novamente.
Vacuómetro para equalizar as borboletas.
Mede-se o vácuo de cada corpo em colunas de mercúrio
Atenção:
se algum parafuso do ar ficar demasiado aberto, com 3 voltas ou mais vai
ter que fazer uma correcção da mistura pelo nível de bóia, (descer) - se muito fechado (menos que ¼ de
volta) também deve corrigir-se o nível (subir)
Portanto, antes de montar
ajuste sempre com uma precisão de 0,5mm, se possível, os níveis de bóia para evitar esta situação.
A rotina para afinação de um motor mono-cilíndrico : passar o equalizador,
regular a lenta e ajustar os parafusos de ar deve ser repetida pelo menos três
vezes para que a correcção do parafuso de ar seja tida em conta na
equalização e vice-versa - depois de três vezes equalizados e regulados os
parafusos de ar, a moto deverá ter uma lenta redonda, lisinha e sem rouquidão no
som dos escapes.
A
aceleração deve ser rápida e a queda de rotação ao soltar-se o acelerador deve ser
abrupta, indicando que não há restos de mistura em nenhum cilindro
empurrando o giro para cima e nem falta ao abrir-se o gás, fazendo com que um
puxe o outro.