1- Como funciona
A gasolina é pulverizada utilizando-se o efeito do venturi - quando o ar passa em ângulo recto sobre um tubo cheio de líquido esse líquido será pulverizado em micro-partículas e misturado com ar - isto acontece porque a passagem do ar aumenta a velocidade no gargalo do tubo e causa uma baixa pressão sobre a superfície do líquido fazendo-o subir e acompanhar a passagem do ar, transformando-se em pulverização.
O princípio é bastante simples - a necessidade de combustível num motor a explosão não é constante e a proporção de mistura deve alterar- se para mais ou para menos conforme as necessidades - podem ser alteradas devido à temperatura e à pressão, tanto atmosféricas como do próprio motor. independentemente da quantidade da mistura que também se altera conforme se acelera ou desacelera o motor.
Nas motos os carburadores têm uma válvula que abre e fecha o venturi por meio de um pistonete preso ao cabo do acelerador - ao acelerar, o pistonete sobe permitindo a passagem do ar pelo venturi.
Inicialmente o motor permanece em marcha lenta e para isso tem de haver um sistema no carburador que não deixe o motor ir abaixo, fornecendo um mínimo de mistura. Estando o acelerador totalmente fechado, apenas suportado pelo parafuso de lenta, esse sistema deve ser independente. Assim, existem no corpo do carburador canais por onde passa o ar que é alimentado pelo gigler de lenta que pulveriza uma quantidade de mistura para manter o ralenti do motor.
Ao acelerar o pistonete sobe e com ele a agulha dentro do canal do gigler principal, que abre o ducto de ar e a agulha, que é cónica, permite a passagem de mais combustível, mantendo a mistura na proporção ideal.
Para atingir a velocidade máxima abre-se completamente o acelerador e o pistonete e a agulha sobem totalmente, deixando o ar passar pelo venturi e a gasolina fluir pelo gigler principal. É este o sistema de funcionamento do sistema de aceleração e marcha lenta no carburador. São, na verdade, três sistemas que se sobrepõem e completam - na marcha lenta apenas o circuito de lenta está em funcionamento. Ao acelerar o segundo sistema entra em funcionamento (o pistonete e a agulha).
Repare que há um perfil por baixo do pistonete que aumenta a velocidade do ar sob ele e assim dirige o vácuo pelo canal que é parcial e progressivamente preenchido pela agulha. De tal forma que ao subir o pistonete deixa passar mais ar e a agulha deixa passar mais combustível para o venturi devido ao próprio formato do cone da agulha associado ao corte do pistonete.
O terceiro estágio entra em funcionamento quando a agulha e do pistonete deixam de actuar para restrição do ar e combustível, passando a actuar o formato do ducto interno do carburador, combinado com o volume de combustível que passa pelo gigler principal.
Depois de entendermos o funcionamento básico, vamos ver como se regula um carburador básico, sem grandes acessórios.
2- Afinação
Começamos por um motor mono-cilíndrico e veremos depois a aplicação aos multi-cilíndros.
Sabemos então que existem três sistemas de mistura num carburador de moto, sem falar no choque para o arranque a frio - primeiro que actua de zero a 1/8 do curso do acelerador é composto pelo circuito de lenta, com o gigler de lenta e o parafuso de afinação do ar. O segundo actua de 1/8 a 3/4 do curso do acelerador e é composto pelo pistonete e pela agulha acoplada e pelo tubo difusor, por onde passa a agulha e o terceiro é o circuito de alta onde está o gigler principal e o tubo do corpo do carburador.
A primeira coisa a fazer para se aferir o funcionamento de um carburador é a sua limpeza - todos os orifícios devem estar limpos e sem resíduos no reservatório da cuba de combustível. Em segundo lugar devemos verificar o nível da bóia conforme o manual específico da moto - qualquer desgaste na agulha ou infiltração de combustível na bóia pode alterar o seu peso e o nível - qualquer alteração provocará alterações e problemas no funcionamento do motor, pois o nível da bóia tem influência em todos os subsistemas de alimentação.
A explosão perfeita da gasolina dá-se em numa proporção de 14 partes de ar por uma de gasolina, mas a verificação dessa proporção para a afinação do carburador é bastante complicada - a melhor maneira de saber como está a mistura é pela cor da vela de ignição, que deve ser uma avermelhada (telha ou tijolo) e quanto mais clara for menor será o volume de gasolina na mistura, portanto uma mistura mais pobre e, naturalmente, quanto mais mais escura , chegando mesmo ao negro, mais rica será a mistura.
Mas como temos três sistemas sobrepostos no processo de alimentação, a afinação tem que ser feita em cada um deles, a começar pelo da lenta, passando pelo curso de 1/8 a 3/4 da aceleração e por fim com toda aceleração aberta. Acontece que numa moto com utilização regular a vela indica-nos a média da actuação dos três sistemas - assim temos de utilizar uma técnica para identificar qual a mistura em cada posição do acelerador.
Para começar vamos ajustar a marcha lenta, que é o que normalmente mais desafina, porque é fácil de mexer ou porque porque alguns mecânicos deixam mesmo desafinado para facilitar o arranque a frio. Não compensa porque aumenta excessivamente consumo e quando o motor aquece pode falhar ou não aguentar o ralenti.
Nessa afinação será necessária uma ferramenta especial, uma chave de fenda com o bico em 90º de forma que o acesso ao parafuso de ar se torne possível. Encontram-se facilmente em lojas de ferramentas para motocicletas. Antes de ligar o motor ajuste o parafuso de ar para duas voltas, partindo da posição fechado. Depois, ligue o motor e deixe-o aquecer bem. Se o ralenti não estabilizar, vire para mais ou para menos o parafuso de ajuste de marcha lenta até que consiga uma rotação perto da especificada no manual da moto, em geral por volta das 1200 RPM. Agora com a chave para ajustar o parafuso de ar vire para esquerda (abrindo) ou para direita (fechando) de forma que se note um aumento da rotação do motor.
Deixe o parafuso do ar na posição mais acelerada possível e depois volte para o parafuso de ajuste da marcha lenta para regular na rotação especificada. Se o parafuso de ar ficar acima de 3 voltas ou menos de 1/4 de volta verifique o circuito de lenta para entupimentos e/ou o nível da bóia. Suba o nível da bóia para aumentar as voltas do parafuso e abaixe para diminuir, aumente um ponto no gigler de lenta se o nível já estiver no limite máximo e diminua um ponto se o nível estiver no limite mínimo. Se o ajuste estiver normal encontre a posição de maior RPM novamente e volte ao parafuso de ajuste de lenta, até que não seja possível acelerar mais o motor com o parafuso do ar. Assim seja que moto for a lenta estará afinada. Note que as motos mais modernas têm um cabo de retorno do acelerador e o ajuste de lenta num parafuso perto da roldana, acima do corpo principal do carburador.
Para o segundo sistema, composto pelo pistonete e agulha do acelerador, temos que verificar a cor da vela e para isso necessitamos de uma lanterna com uma lupa para ampliar a imagem para a observação. Instale uma vela nova com as especificações do fabricante e experimente a moto, mantendo o acelerador num máximo de 3/4 do total. Ande durante 15 minutos e pare a moto mantendo o acelerador nos 3/4 durante alguns minutos antes de o desligar.
Sempre que for fazer a observação da vela, pare o motor sem desacelerar e retire a vela para ver a cor.
A Figura 1 indica uma mistura muito rica - a figura 2 mostra uma mistura equilibrada e a figura 3 indica um super aquecimento causado por mistura extremamente pobre, que pode causar sérios problemas no motor, nomeadamente nas válvulas e cabeça do pistão.
Como a maioria das motos vem com a afinação de fábrica (muito próxima do ideal) é pouco provável que seja necessária a troca do pistonete ou do conjunto agulha/tubo difusor de mistura. Alterando a posição da agulha em relação ao pistonete podemos alterar a proporção de combustível - subindo o clip que fixa a agulha no fundo do pistonete faz a curva da mistura iniciar a aceleração com a mistura mais pobre e descendo o clip nas canaletas enriquece a curva da mistura em relação à posição do acelerador fazendo com que a leitura da vela passe para o lado escuro, mais frio. O contrário faz com que a vela fique mais clara indicando um aumento da temperatura e queima mais completa do combustível. Nunca passe para o lado do super-aquecimento.
A afinação do segundo sistema de alimentação em geral só é possível se a capacidade do gigler principal não se encontrar muito fora do ideal - qualquer melhoria conseguida no curso intermediário do acelerador é positiva - se, ao contrário, parecer impossível acertar a mistura na posição da agulha e corte do pistonete, deverá tentar com um gigler de alta um ponto a mais ou a menos, conforme a necessidade*, retomando a indexação central da agulha para que se manifeste o efeito da mudança do gigler. Exemplo: se o ajuste da agulha se mostra incessantemente pobre, mesmo com a trava no sulco mais baixo da agulha (posição mais rica), aumente um ponto no gigler de alta e volte a agulha ao centro das canaletas para reiniciar as medições, sempre com a vela nova.
3- Sincronização do funcionamento
Este é um dos grandes problemas - num motor mono-cilíndrico conseguem verificar-se nas reacções do motor os resultados das alteração, mas nos multi-cilíndricos, as acções têm de ser coordenadas entre eles. Assim, conforme vimos anteriormente: Baixa, que consideramos de zero a 1/8 do curso do acelerador. Média, saindo dali até 3/4 do total da aceleração e alta de 3/4 até o máximo. De cada divisão dessa participam um ou mais sistemas de alimentação e pode dizer-se que a segunda fase, de 1/8 até 3/4 se torna a mais complicada num motor a quatro tempos, pois no momento em que o acelerador abre, saindo da marcha lenta, a velocidade do ar pelo venturi cai imediatamente entre essa abertura e o aumento da rotação. A falta de vácuo nesse instante causa uma falha da atomização do combustível que se não for bem resolvida pode fazer com que o motor não funcione- neste caso as duas principais formas de resolução são: injectar combustível no momento em que o pistonete abre com velocidade ou impedir que ele suba muito rápido, e assim não permitir que o vácuo caia bem como a velocidade do ar.
A primeira solução era a mais utilizada nas motos antigas, (exemplo: Honda XL e XR) antes do promot 2, pois essa injecção do combustível directamente no ducto do colector causa uma emissão grande de hidrocarbonetos, mas a resposta é imediata e com mais força. Na segunda utiliza-se um diafragma sobre o pistonete e uma borboleta que está ligada ao cabo do acelerador - quando esta abre o vácuo passa para o lado de cima do diafragma e o pistonete sobe permitindo a aceleração - uma mola regula a força do vácuo necessário para o levantar, conforme a posição da borboleta.
Esse tipo de carburador, de velocidade constante “Constant Velocity” ou CV permite emissões mais controladas pois a mistura é feita pelo sistema normal do carburador e apenas a abertura do ducto principal é feita pela borboleta que permite o acesso ao vácuo para que o pistonete levante. A aceleração dá-se mantendo uma velocidade constante do ar no venturi e o motor nunca morre ao acelerar.
Para colocar em sincronismo um sistema múltiplo de carburação, para além da ferramenta de ajuste do parafuso de ar (a que vira a 90º) vamos precisar de medidores de vácuo para equilibrar os cilindros de forma que eles todos acelerem equilibrados, ou seja nenhum pode sair antes de outro ou fazer a mistura mais rica ou pobre, sob pena de haver excesso de consumo e irregularidade no funcionamento do motor.
É preciso fazerem-se todas as reparações necessárias antes desse ajuste, pois todo desgaste ou sujo que cause desequilíbrio no sistema deve ser eliminado. Antes de montar o conjunto de carburadores na moto deve soltar-se totalmente o parafuso de lenta e ver-se contra a luz se há alguma borboleta aberta. Ajuste os parafusos que regulam as posições das borboletas de modo que todas elas fiquem igualmente fechadas. Depois de montado o conjunto na moto, deixe o tanque de fora pois vai ter que ligar uma alimentação alternativa para que possa ter acesso aos parafusos de ajuste do equilíbrio entre as borboletas.
O ajuste da marcha lenta deve ser feito com o motor aquecido e estabilizado em 500 a 1000 rpm a mais que a lenta especificada no manual da moto para que se possa fazer a equalização - cada parafuso de ar deve estar posicionado inicialmente em 1+1/4 de volta aberto.
Após a equalização deve voltar-se a lenta para a rpm especificada no manual do proprietário e em seguida procurar identificar o carburador que falha, se houver...e normalmente há ...tem que ser por tentativas, e, a não ser que sua moto tenha escapes isolados, um para cada cilindro, não vai ser possível identificar pelo barulho ou pressão do escape. Para fazer isso, comece pelo nº1 com a chave especial no parafuso do ar abrindo ou fechando aos poucos, sem perder a referência de 1+1/4 até que possa ouvir que a falha nesse cilindro está corrigida.
A percepção das falhas são subjectivas - há que se ouvir a “música do motor”, perceber o som do motor a falhar ou o som liso e uniforme do motor com as explosões equilibradas - devemos encontrar o erro no ronco do motor com falhas e corrigir a explosão para que fique alinhada com as outras duas ou três.
Há sempre duas ou três mais equilibradas e ao encontrar o carburador que produz a falha deve-se procurar a posição em que o som fica preenchendo o vazio provocado pela maior falha. Vá cumprindo essa rotina até o nº 4 e se o motor ficar acelerado demais, (é isso que você quer) volte a lenta para a rotação especificada novamente.
Atenção: se algum parafuso do ar ficar demasiado aberto, com 3 voltas ou mais vai ter que fazer uma correcção da mistura pelo nível de bóia, (descer) - se muito fechado (menos que ¼ de volta) também deve corrigir-se o nível (subir)
Portanto, antes de montar ajuste sempre com uma precisão de 0,5mm, se possível, os níveis de bóia para evitar esta situação.
A rotina para afinação de um motor mono-cilíndrico : passar o equalizador, regular a lenta e ajustar os parafusos de ar deve ser repetida pelo menos três vezes para que a correcção do parafuso de ar seja tida em conta na equalização e vice-versa - depois de três vezes equalizados e regulados os parafusos de ar, a moto deverá ter uma lenta redonda, lisinha e sem rouquidão no som dos escapes.
A aceleração deve ser rápida e a queda de rotação ao soltar-se o acelerador deve ser abrupta, indicando que não há restos de mistura em nenhum cilindro empurrando o giro para cima e nem falta ao abrir-se o gás, fazendo com que um puxe o outro.